
O sacerdote sobe os degraus do presbitério e beija, reverentemente, o altar. Com certeza, a partir daquele momento, seu coração bate mais aceleradamente. Não celebra uma Missa a mais em sua vida; mas dá mais uma vez a sua vida pela Missa: é sempre a primeira e poderá ser a última...
Em seu coração sacerdotal, celebrar o Santo Sacrifício da Missa não é uma função inerente ao seu estado clerical. Para o sacerdote, celebrar a Santa Missa e os demais Sacramentos é configurar-se ao próprio Cristo e ser na terra a continuação sublime de sua presença redentora. Ele re-presenta o Cristo Senhor.
Por isso, a vocação constitui um grande mistério, o da misericórdia e do amor de Deus. A vocação é convite divino, dirigido à liberdade mais livre que um cristão possa oferecer: a de ser para o mundo um sinal do amor de Deus como Cristo perpetuado no tempo e no espaço.
O discernimento vocacional acontece na medida em que o vocacionado colabora com a graça inicial, fontal, prosseguida pelos convites atuais. No momento em que se opta por um acompanhamento vocacional e se iniciam os estudos especiais, deve o candidato procurar a intimidade cada vez mais intensa com Deus, adquirindo grande familiaridade com tudo o que moveu Jesus a entregar sua vida em favor dos homens. Essa familiaridade acontece com a freqüência com que o candidato se aproxima das realidades a que deverá dedicar, um dia, sua vida inteira de consagrado ao Senhor: Sacramentos, Sagrada Escritura, oração, obras de caridade.
Mas o Senhor tem seus caminhos. Quando Ele escolhe alguém, não o perde de vista. Uma vez que a liberdade é inerente ao ser humano, não interfere nem tolhe, mas vai oferecendo oportunidades para o amadurecimento da opção de vida. O chamado à voz de Deus vai se aclarando mais e mais.
Na vida de muitos santos, esse caminho aconteceu de forma extraordinária. Quem não se encanta ao ler as Confissões de Santo Agostinho, contemplando a forte atuação de Deus em sua vida? A diária intercessão de sua mãe, Santa Mônica, rogando 30 anos pela conversão de seu filho. Tocado pela Graça, tornou-se um dos santos mais apaixonados por Deus, sendo um dos mais fecundos doutores da Igreja. O mesmo poderíamos dizer, de um Paulo de Tarso e, em nossos tempos, da santa carmelita Teresa Benedita da Cruz, conhecida como Edith Stein. Abraçou a cruz de Cristo e o martírio por sua fé. Passou do judaísmo para a fé cristã e para a vida contemplativa. Buscou a Deus com sinceridade, como ensinam os livros sagrados: a verdade a encantava e se apaixonou por tudo quanto soube a respeito do Pregador da Boa Nova: Jesus Cristo.
A Bíblia traz em suas páginas as mais comoventes respostas ao chamado de Deus. Nem sempre o chamado é compreendido e isso determina uma grande luta interior. Moisés é tirado da corte do faraó, atraído pela curiosidade – uma sarça que ardia sem se consumir – entra na esfera do divino e Deus o envolve na sublime missão de libertar e salvar o povo de Israel da escravidão e da idolatria no Egito. Com alguns profetas, o chamado acontece através de uma manifestação que ultrapassa os sentidos humanos, como Isaías, Jeremias e outros.
Com a aproximação da plenitude dos tempos, o chamado vai se tornando ainda mais claro. O que antes era um convite à fidelidade à Aliança e, através dela, à salvação, agora o plano de Deus vai se definindo para um caminho de conversão e de preparação para a vinda do Messias. Nessa linha do chamado de Deus, encontra-se João Batista, que prepara o caminho para o Cristo. O povo pressentia nele uma presença extraordinária do Altíssimo e o procurava para ouvir, arrepender-se de seus pecados e deixar-se batizar.
Finalmente, o céu se inclina sobre Nazaré para buscar a resposta de adesão total ao plano de Deus: o “sim” de Maria. Ao responder “Eis aqui a serva do Senhor”, ela se torna paradigma da humanidade que ama a Deus acima de todas as coisas. Não faz dessa escolha motivo de orgulho, mas ocasião de serviço. E parte para visitar Isabel, sua parenta. Nada lhe diz. É o Espírito Santo que deverá revelar a grande notícia e será o mesmo Espírito que continuará sendo o grande proclamador das realidades divinas na vida dos homens: São José, os Apóstolos e toda a multidão dos santos e santas que se estabelece daí em diante.
Colaborar com a graça na história da vocação nada mais é do que ser dócil ao Espírito Santo para acolher-lhe a inspiração, correspondendo aos desígnios de Deus. Quanto mais sensível for essa resposta, dada aos dons recebidos, tanto mais fértil será o campo onde a graça depositará as sementes de santidade que garantirão a plena realização na vida nova dos escolhidos.
A vocação é bem sucedida quando a pessoa se sente feliz. Essa felicidade pessoal é diretamente proporcional à santidade de vida, em que Deus é quase transparente em gestos e palavras. É por isso que, num processo de canonização, uma vez reconhecidas as “virtudes heróicas”, ele é declarado “Feliz” (Bem-aventurado, Beato) e finalmente, Santo, Santa.
Percebemos, assim, que nossa grande vocação é à santidade. Um chamado à plenitude de vida e de lógica e radical adesão à graça de Deus. Atinge-se um nível sublime de um intenso amor a Deus e aos irmãos. É ser na Igreja uma presença edificante, colocando todos os talentos a serviço. É partilhar as angústias e as vitórias. O melhor sinal de alguém que é chamado por Deus para exercer a missão em seu nome é ser humilde e feliz. Maria pode declarar: “Doravante todas as gerações me chamarão de bem-aventurada”.
A busca da santidade está na origem, na persistente caminhada de vida e no termo final do chamamento de Cristo: “Vem! Segue-me”.
Por: D . Eusébio Oscar Scheid
Arcebispo da Arquidiocese do Rio de Janeiro
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