Como pensar e realizar o que é certo
Nas primeiras páginas do livro da
criação (cf. Gn 1–4), o autor sagrado expôs, com perspicácia, a sabedoria como
Deus criou o mundo e nele introduziu, ao final da luminosa descrição poética e
profundamente religiosa, o homem e a mulher, feitos à Sua imagem e semelhança,
com inteligência e liberdade. Deus, fonte de todo bem, viu que tudo era muito
bom (cf. Gn 1,31). Começou a aventura da liberdade!
Muitas pessoas foram convocadas
por Deus para participar da construção de uma história de salvação. Noé
encontrou graça aos olhos do Senhor (cf. Gn 6,8) quando a Terra estava cheia de
violência (cf. Gn 6,13). Abraão foi escolhido e chamado por Deus (cf. Gn 12),
também Moisés (cf. Ex 3), Samuel (cf. I Sm 3), Isaías (cf. Is 6) e Jeremias
(cf. Jr 1), ao lado de tantas outras pessoas que aprenderam, em meio a luzes e
sombras, a discernir a voz do Senhor. E ainda foram muitas as histórias de
infidelidades, pecados, traições, nas quais um povo de cabeça dura (cf. Ex
32,7-14; Atos 7, 51) voltou atrás, depois de se decidir pelo seguimento da
Palavra do Senhor. E Deus, em Sua misericórdia, sempre estava aberto para o
perdão.
Na plenitude dos tempos (cf. Gl
4,4), foi chamada uma jovem, quem sabe, apenas adolescente, a Virgem Maria, na
qual o Céu encontrou a mais transparente de todas as respostas (cf. Lc 1–2).
Nela a Palavra Eterna de Deus se fez Carne. Em nome da humanidade foi o “sim”
que a Deus agradou, a contrapartida da humanidade para se realizar a salvação,
mãe que fez a vontade de Deus (cf. Mc 3,34). E veio Jesus Cristo!
Depois dos anos vividos em
Nazaré, Jesus vai ao Jordão, acolhe a voz do Pai e a manifestação do Espírito
Santo e inicia a pregação do Reino. Jesus chamou os primeiros apóstolos, abriu
o leque para convocar o que foram chamados de discípulos, envolveu famílias
amigas, como vemos nas visitas a Marta Maria e Lázaro, teve colóquios de
amizade e confidência com Pedro, Tiago e João, olhou com amor provocante e
desafiador para muitas pessoas, suscitando nelas a decisão pelo Seu seguimento,
dirigiu-se às multidões, consolou, curou e
perdoou! Ninguém passou em vão ao lado de Cristo!
No correr do caminho, conquistou
discípulos e amigos, mas também granjeou reações ferrenhas de Seus opositores e
esteve com grupos que Lhe prepararam verdadeiras armadilhas verbais (cf. Mc
11–12). Para estupor de todos os que n'Ele depositam a segurança de suas vidas,
foi até considerado um homem possuído por Belzebu (cf. Mc 3,20-35). Sabemos que
muitas ciladas foram preparadas para prendê-Lo, o que só aconteceu quando
chegou a hora de passar deste mundo para o Pai (cf. Jo 13,1).
Nosso Senhor Jesus Cristo é
Senhor da História, mas submeteu-se ao julgamento da própria história, deixando
aberta a margem da maravilhosa e terrível realidade da liberdade humana, para
que todos os seres humanos possam decidir-se diante d'Ele. Os que se decidem
pelo Seu seguimento participarão de Suas alegrias e também de Suas provações ou
privações. A eles caberá usar o precioso dom da liberdade, para tomar decisões
acertadas, para se erguerem das próprias quedas e assumirem o norte de suas
vidas, iluminados que foram pela bússola da fé.
São Paulo, um dos chamados na
undécima hora (cf. Gl 1,11-24), fez a experiência da fé em Jesus Cristo (II Cor
4,13–5,1). Nele é possível encontrar alguns critérios para as decisões a serem
tomadas, pois todos nós somos igualmente chamados ao seguimento de Cristo,
aprendendo a pensar o que é certo e realizá-lo (Oração do dia do IX Domingo do
Tempo Comum).
A luz da fé, suscitada pelo
seguimento de Jesus, provocado pelo anúncio da salvação, é o horizonte para as
decisões. O cristão não é indiferente diante dos cruzamentos das estradas de
sua vida. Ele escolhe o que é conforme a Cristo e ao Evangelho d'Ele, sem medo
de nadar contra a correnteza. Por causa de sua fé, fala e dá testemunho
corajoso (cf. II Cor 4,13), superando a pusilanimidade que conduz à omissão
vergonhosa. Para tanto, sua força está na oração, com a qual experimenta a
presença certa daquele Senhor que escolheu para seguir (cf. I Ts 5,17; 2 Ts
1,11.3,1).
Diante das dificuldades, é sua
tarefa vencer o desânimo (cf. II Cor 16-17) e erguer os que estão caídos.
Cabe-lhe sempre tomar a iniciativa! Sabe que os sofrimentos, as dores e a
própria morte não têm a última palavra, pelo que se renova dia a dia (cf. II
Cor 4,16) e aposta sua vida no que é invisível e eterno (cf. II Cor 4,18).
Decisões guiadas pela fé, oração,
iniciativa, coragem diante dos obstáculos, capacidade de olhar para o alto!
Nada menos do que a proposta da Igreja para todos e não para um grupo de
privilegiados. A decisão está nas mãos de nossa liberdade!
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém - PA
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