O humilde não tem medo de errar
Quem se reconhece e se aceita,
quem é humilde, não tem medo de errar. Por quê? Porque se, depois de ponderar,
prudentemente, a sua decisão, ainda cometer um erro, isso não o surpreenderá,
pois sabe que é próprio da sua condição limitada. São Francisco de Sales dizia
de uma forma muito expressiva: “Por que se surpreender que a miséria seja
miserável?”.
Lembro-me ainda daquele dia em
que subia a encosta da Perdizes, lá em São Paulo, para dar a minha primeira
aula na Faculdade Paulista de Direito, da PUC (Pontifícia Universidade
Católica). Ia virando e revirando as matérias, repetindo conceitos e ideias.
Estava nervoso; não sabia que impressão causariam as minhas palavras naqueles
alunos de rosto desconhecido. E se me fizessem alguma pergunta a qual eu não saberia
responder? E se, no meio da exposição, eu esquecesse a sequência de ideias?
Entrei na sala de aula tenso, com
um sorriso artificial. Comecei a falar. Estava excessivamente pendente do que
dizia, nem olhava para a cara dos alunos. Falei quarenta e cinco minutos
seguidos sem interrupção, sem consultar uma nota sequer.
Percebi, porém, um certo
distanciamento da “turma”, um certo respeito. Um rapaz, muito comunicativo e
inteligente, talvez para superar a distância criada entre o grupo e o
professor, aproximou-se e me cumprimentou: “Parabéns, professor. Que memória!
Não consultou, em nenhum momento, os seus apontamentos. Foi muito
interessante!"
Respirei, mas, desconfiado, quis
saber: "Você entendeu o que eu disse?" Admirou-se com a minha
pergunta; não a esperava. Sorrindo, encabulado, confessou-me: "Entendi
muito pouco, e, pelo que pude observar, a 'turma' entendeu menos ainda".
A lição estava clara: "Dei a
aula para mim e não para eles. Dei a aula para demonstrar que estava
capacitado, mas não para ensinar”. Faltara descontração, didática, empatia; não
fizera nenhuma pausa, nenhuma pergunta. Fora tudo academicamente perfeito, como
um belo cadáver. Fora um fracasso.
Lembro-me também que, quando
descia aquela encosta, fiz o propósito de tentar ser mais humilde, de preparar
um esquema mais simples, de perder o medo de errar, esse medo que me deixara
tão tenso e tão cansado; de pensar mais nos meus alunos e menos na imagem que
eles pudessem fazer de mim. E se me fizessem uma pergunta a qual não soubesse
responder, o que diria? Pois bem, diria a verdade, que precisava estudar a
questão com mais calma e, na próxima aula, lhes responderia. Tão simples assim.
Que tranquilidade a minha ao
subir a encosta no dia seguinte! E que agradecimento dos alunos ao verem a
minha atitude mais solta, mais desinibida, mais simpática! Uma lição que tive
de reaprender muitas vezes ao longo da minha vida de professor e de sacerdote:
a simplicidade, a transparência e a espontaneidade são o melhor remédio para a
tensão e a timidez e o recurso mais eficaz para que as nossas palavras e os
nossos desejos de fazer o bem tenham eco.
Não olhemos as/ pupilas alheias
como se fossem um espelho, no qual se reflete a nossa própria imagem; não
estejamos pendentes da resposta que esse espelho possa dar às perguntas que a
nossa vaidade formula continuamente: "O que é que você pensa de mim?
Gostou da colocação que fiz?" Tudo isso é raquítico, decadente, cheira ao
mofo do próprio "eu", imobiliza e retrai, inibe e tranca a
espontaneidade. Percamos o medo de errar e erraremos menos.
Dom Rafael Llano Cifuentes
Arcebispo Emérito de Nova
Friburgo (RJ)
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