domingo, 8 de maio de 2011


Vocação no nosso DNA

Um dos resultados da alta tecnologia de hoje é a descoberta do DNA da pessoa. Esta descoberta abriu horizontes infinitos sobre pesquisas científicas e interessantes aprofundamentos sobre o que a pessoa era antes do seu nascimento e o que será até o fim da sua vida.
Nesta perspectiva, ulteriores pesquisas estão sendo feitas e com relativas hipóteses. Uma vez conhecida, com antecedência, certa predisposição de alguém para certas doenças, “modificando” o seu DNA, segundo estes estudos, seria possível evitar doenças e garantir um grau de subsistência satisfatório, sem muitos sofrimentos e com uma vida longa e harmoniosa.
No caminho vocacional poderia se apresentar o mesmo enigma: Como é possível prever o que serei? Existem “receitas” que me fazem prever se a minha maneira atual de viver é garantia de um futuro isento de problemas e defecções particulares?
Em suma, me pergunto: Como posso conhecer o meu DNA vocacional de tal maneira a conhecer, com certeza, qual será o meu futuro, tendo a possibilidade de “corrigi-lo”e assegurar-me assim um futuro FELIZ?
“O que não é Deus, é um sonho”. Ou Deus se torna de verdade a nossa opção fundamental, ou é algo que nós construímos à nossa imagem e semelhança.



A VIDA: UM DESAFIO

Colocado assim o problema, parece-me importante observar que o axioma “viver a vida entre o agora e o ainda não” condensa em si todo um programa de vida de qualquer tipo de vocação. De fato, é a experiência do cristão que deve investir, em cada instante de sua vida, todas as suas escolhas presentes e futuras sobre um dado de fé que, no entanto, tem o sabor de “segurança zero”.
Empenhar hoje a minha vida num futuro que não possuo, torna-se cada vez mais um “desafio” e, se não tomar cuidado, pode-se cair no risco de correr a vida inteira atrás de dúvidas e questionamentos obsessivos que, aos poucos, me levam a fugir da decisão.


Certa vez perguntei a um jovem, recém entrado no seminário, como via o seu futuro. Fiquei surpreso quando me respondeu que via a vida como uma “cascata de felicidade”. É este mesmo o resultado que os médicos querem alcançar através das pesquisas. Mas, será que é este, na realidade, o ideal que deveria perseguir quem começa um caminho de discernimento e de procura vocacional?

VIVER O “AGORA”

Tempos atrás um jovem, outrora desanimado, mostrou-me a carta de um amigo que escrevia-lhe: “Se eu olhar para mim, deveria tremer... mas quando penso em Deus, que quer a nossa fidelidade e gratidão, dons que Ele nos deu, então sinto que posso esperar tudo. Quanto mais confiarmos em Deus, tanto menos seremos presunçosos...”.


Viver o agora não pode prescindir do conhecimento objetivo do que somos: a nossa história, o nosso passado, tomando consciência das alegrias e feridas que marcaram a nossa existência. Muitas vezes os ideais altos demais, o querer ser um certo tipo de pessoa com tantas qualidades, aberta, extrovertida, alegre e todos os adjetivos “bonitos” que poderiam ser acrescentados, quando se deparam com o “agora”, com aquilo que uma pessoa é de fato, podem diminuir o potencial e o entusiasmo face a uma doação.
Uma vida pobre não pode ser doada! É a conclusão a que pode chegar uma pessoa: uma falsa conclusão! De fato, a carta aos Hebreus afirma que também as pessoas escolhidas para o serviço do Reino são “sujeitos à fraqueza humana” (7,28). Só em Cristo encontra-se a perfeição!
Fixar o olhar sobre nós mesmos deveria nos levar automaticamente a fixar os olhos em Deus, como escrevia aquele jovem ao seu amigo: “quanto mais penso em Deus... assim sinto poder esperar tudo por Ele”. Esperar tudo de Deus não significa fechar-se na passividade, mas desencadear uma luta, a luta de quem sabe que pertencer a Deus significa renunciar a algo de si.


EDUCADOS À RENÚNCIA

Encontramos aqui um outro elemento para viver o “agora”. Quem faz esta proposta é o próprio Jesus quando põe como condição para a verdadeira felicidade o valor da renúncia: “Se alguém quer vir após mim renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16,24).
Mas isso, hoje, não é fácil. À mulher e ao homem de hoje, preocupados em procurar “símbolos de imortalidade” como o dinheiro, o poder, o sucesso, etc, a palavra renúncia ecoa como uma nota desafinada numa orquestra que está tocando maravilhosamente. Por outro lado, não aceitar renúncias em nossa vida é viver “fora da realidade”, fechar-se num pensamento mágico e ficar no mundo dos desejos.
Toda decisão, para um jovem que quer levar a sério a própria vida, implica em renúncias. Ao tomar uma decisão, sempre estou renunciando a um monte de outras possibilidades. Isso acontece também nas decisões simples, como decidir estudar em vez de dar um passeio. Isso, porém, acontece sobretudo nas decisões mais importantes, como casar em vez de consagrar a vida a serviço do Reino.
Renunciar aos desejos pré-constituídos para o futuro custa muito sacrifício e, freqüentemente, cai-se no erro de escolher “o mais fácil”, ou aquele “que custa menos”. Em todo caso, quem na vida foi educado à renúncia, sabe bem que, embora ela seja fonte de sofrimento, é, sem dúvida, um momento precioso através do qual o jovem pode viver, em sua existência, o Mistério pascal, associando-se à cruz de Cristo: “Tome a sua cruz”.
A renúncia pode ainda ter um significado “existencial”, tornando-se ocasião ou estímulo de conversão. Pode também ter um significado “evolutivo”, pois aumenta a liberdade do jovem na escolha e na prática dos valores evangélicos da pobreza, da castidade e da obediência, que deverá testemunhar em sua vida futura.



A ESCOLHA DE DEUS

A este ponto poderia surgir mais uma pergunta: Será que é próprio do ser humano e necessário renunciar? Renunciar a quê? Em favor de quê ou de quem?
Renunciar por renunciar, sem dúvida, não ajuda em nada, aliás, poderia ser considerado um fanatismo superficial. As pequenas e grandes renúncias se tornam significativas se forem feitas em vista de uma escolha: a escolha de Deus.
Deve estar bem claro, para quem inicia um caminho de discernimento vocacional, que a escolha de Deus é o pano de fundo de toda caminhada existencial. Deus é mais importante do que todas as minhas decisões e a própria vocação que vou escolher e seguir. Deus é o tudo da nossa vida!
Um santo afirmou: “O que não é Deus, é um sonho”. Ou Deus se torna de verdade a nossa opção fundamental, ou é algo que nós construímos à nossa imagem e semelhança. Sendo assim, é destinado a se acabar como um sonho que, mesmo bonito, acaba.
Escolhendo Deus, voltaremos às origens de nossa vida, lá onde um dia Deus nos chamou, onde planejou também a nossa história a ser assumida na liberdade. Portanto, não será necessário modificar ou corrigir o nosso DNA, já que, com certeza, a nossa felicidade consistirá em ter encontrado a fonte desta felicidade e do amor, que sempre quer o nosso bem.


José Negri - PIME
Sacerdote e Psicólogo


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