Ide vós também para a minha vinha
O Povo de Deus, conduzido por
Moisés através do deserto, rumo à Terra Prometida, passou por muitas e
diversificadas crises. O próprio Moisés teve suas dificuldades, pois deveria
conduzir uma multidão de gente de "cabeça dura". Como muitos líderes
de todas as épocas da história, a conselho de seu sogro (Cf. Ex 18,1-27),
aprendeu a compartilhar seu trabalho com homens escolhidos sem acumular, nas
próprias mãos, o poder e as múltiplas tarefas que comportava o cuidado da
viagem pelo deserto. Aarão, Josué e tantos outros encontraram seu lugar para
viver ao lado de Moisés o chamado que lhes era próprio.
O correr da história sagrada
apresenta juízes, profetas e reis, todos chamados a exercer um serviço
inestimável, chamados e inspirados por Deus. E que dizer de mulheres fortes,
como Sara, Rute, Judite, Débora e muitas outras? Muitas foram as pessoas
conduzidas pelo Espírito do Senhor, cuja lembrança a Escritura registra, para
que as sucessivas gerações estivessem abertas ao apelo de Deus. E não foram
poucas as circunstâncias e os desafios experimentados por todas estas pessoas,
preciosas aos olhos de Deus.
Os Evangelhos se abrem com a
graça do chamado: Maria e José, Zacarias e Isabel, Simeão e a profetiza Ana, os
discípulos de Jesus e, dentre eles, os doze apóstolos. E do meio do povo que
seguia Jesus, conversões, curas, seguimento estrito do Senhor se multiplicam,
oferecendo a moldura para toda aventura que se chame humana. Mais adiante, no
Tempo do Espírito, relatado pelos Atos dos Apóstolos, entra na lista ler e
rezar a Escritura Sagrada, ato de envolver-se com o mistério do chamado, a
graça da vocação.
Homens firmes e provados, como os
primeiros diáconos, convertidos como o eunuco da estrada de Gaza, o centurião
Cornélio ou, mais do que todos, São Paulo, o apóstolo das gentes. Em todos,
resplandece as armadilhas de amor tramadas por Deus para a graça do chamado.
Na Igreja de Jesus Cristo, em
todas as épocas e situações, a realidade do chamado se faz presente. Vocação
foi o chamado de eremitas e monges, cuja solidão foi habitada pela presença do
Senhor e pelas muitas pessoas que, desde o princípio, foram atrás deles, porque
procuravam Deus. Sua vida suscitou seguidores e, até hoje, existem e sempre
existirão pessoas chamadas ao silêncio e ao claustro. Vocação são os grandes
carismas, a pobreza com São Francisco, a contemplação com São João da Cruz e
Santa Teresa D’Ávila, a pregação com São Domingos.
Vocação foi o apelo de Deus para
o surgimento das Ordens e Congregações Religiosas, criadas para responder aos
desafios sociais, à educação das crianças, adolescentes e jovens, ao cuidado da
saúde, como as famílias de pessoas consagradas que Deus inspirou no século
dezenove e no início do século vinte ou muitas Congregações missionárias.
Vocação são as novas formas de dedicação a Deus, chamadas “Comunidades Novas”.
Desde o princípio, o Senhor
chamou homens para o episcopado, o presbiterado e o diaconado, o ministério
ordenado, para o serviço da Palavra, do Altar e do Pastoreio. Trata-se de um
chamado específico dentro da Igreja, são as vocações que brotam em nossas
comunidades paroquiais.
Se alguém não se sentir tocado
por tais “vagas” de trabalho, certamente é porque seu lugar, de uma imensa e
qualificada maioria, é a do leigo ou leiga, presente na Igreja, comprometido
com os valores do Evangelho, vocação magnífica para ser sal, luz e fermento no
mundo, oferecendo-se como hóstia agradável a Deus. Mais ainda! Que lugar
carregado de dignidade é aquele ocupado pelas pessoas chamadas ao matrimônio,
homens e mulheres encarregados de realizar, nos lares cristãos, a imagem do
relacionamento existente na família mais perfeita, Pai e Filho e Espírito
Santo.
Existe um mistério que toca, de
perto, todos os homens e mulheres batizados, sem exceção, no olhar pessoal de
Deus, nosso Criador e Guia, que quer dizer, de novo, neste mês dedicado às
vocações (Cf. Mt 20,1-16): “Por que estais aí o dia inteiro desocupados? Ide
vós também para a minha vinha”. Deus acompanha os fiéis e os cumula com Sua
inesgotável bondade, restaurando o que por Ele mesmo foi criado e conservando o
que foi restaurado. Há muito a fazer, quando as pessoas, mesmo quando não se
expressam assim, gritam insistentemente (Jo 6,28): “Que devemos fazer para
realizar as obras de Deus?” Quem acolhe Sua graça não pode ficar indiferente! O
mundo em que vivemos clama pela nossa resposta ao chamado de Deus e pelo nosso
testemunho qualificado, grita pela nossa vocação!
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém - PA
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