Ele fez bem todas as coisas
Na obra criadora de Deus, existe
a semente do bem
Ao modo de leitura orante da
Palavra de Deus, chamada “Lectio Divina”, aproximemo-nos do Evangelho que a
Igreja proclama nestes dias. Para tanto, comecemos bem longe, no princípio...
“Deus viu tudo quanto havia feito, e era muito bom” (Gn 1,31). Na obra criadora
do Senhor, existe a semente do bem. O sábio, que identifica o sentido daquilo
que o Pai fez, tem consciência de que “Deus não fez a morte, nem se alegra com
a perdição dos vivos. Ele criou todas as coisas para existirem, e as criaturas
do orbe terrestre são saudáveis: nelas não há nenhum veneno mortal, e não é o
mundo dos mortos que reina sobre a terra, pois a justiça é imortal” (Sb
1,13-15).
De fato, “No princípio era a
Palavra, e a Palavra estava junto de Deus, e a Palavra era Deus. Ela existia,
no princípio, junto de Deus. Tudo foi feito por meio dela, e sem ela nada foi
feito de tudo o que existe. Nela estava a vida, e a vida era a luz dos homens”
(Jo 1,1-3). E esta Palavra “se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). Jesus
Cristo é o Verbo de Deus, Palavra eterna que se fez carne, em quem todas as
coisas foram criadas, aquele que “faz bem todas as coisas” (Mc 7, 37), o que
restaura toda a obra criadora do Pai, em quem tudo ganha sentido e valor (Cf.
Ef 1,10).
Tornar-se discípulo da Palavra de
Deus que se faz carne é acompanhar Jesus pelas estradas da vida e testemunhar o
acontecimento da “nova criação”. Vamos lá! Jesus deixou a região de Tiro,
passou por Sidônia e continuou até o mar da Galileia, atravessando a região da
Decápole, onde tinha chegado sua fama. Cercava-o a incompreensão a respeito de
sua pessoa e de suas ações. O Evangelista São Marcos, o único que conta este
episódio, mostra a entrada em cena de um surdo-mudo que, curado, torna-se um
sinal da abertura para acolher o mistério de Jesus. Pedem que o Senhor imponha
as mãos sobre o homem.
Jesus, tomando-o à parte, longe
da multidão, leva a sério sua presença e sua situação, pôs os dedos nos seus
ouvidos, tocou com a própria saliva a língua do homem, olhou para o céu,
suspirou e disse: “Efatá!”, que quer dizer: “Abre-te”. Imediatamente, os ouvidos
do homem se abriram, sua língua soltou-se e ele começou a falar corretamente.
Jesus recomendou, com insistência, que não contassem o ocorrido para ninguém. É
que o anúncio do Evangelho e a resposta da fé devem ser os únicos sinais
inequívocos da inauguração dos novos tempos que se realizam com sua chegada.
Contudo, quanto mais ele insistia, mais a notícia se espalhava! Cheios de
grande admiração, todos diziam: “Tudo ele tem feito bem. Faz os surdos ouvirem
e os mudos falarem” (Cf. Mc 7,31-37). Em Jesus Cristo se realizam as promessas
antigas reportadas pelo profeta Isaías (Is 35,4-7). Ele realiza uma nova
criação e é portador da salvação definitiva. Ele é a Salvação!
Os gestos de Jesus, que faz tudo
bem feito, os dedos nos ouvidos do homem, a saliva na boca, o suspiro, a
palavra forte que abre os sentidos humanos para Deus, conduzem ao nosso
batismo, quando fomos introduzidos numa nova vida. Abram-se nossos sentidos da
fé para reconhecer o Salvador e participarmos todos da nova criação! A
consequência será um olhar otimista em relação às pessoas e situações,
começando pela nossa própria vida. A esperança brotará quando entendermos que
Jesus não é um milagreiro à nossa disposição, mas o Salvador, cuja presença e
ação conferem novo e definitivo sentido à existência.
Os homens e mulheres renascidos
pelo batismo são chamados a se comprometerem com esta nova criação. Cabe-lhes
passar pela terra fazendo o bem e fazendo tudo bem feito! Nenhum recanto do
mundo fique privado da presença dos cristãos. Antes, aceitem o desafio de
transformá-lo a partir de dentro. Uma nova mentalidade ilumine o mundo do
trabalho, a política, as relações sociais. E os valores da eternidade, já
presentes nesta terra pelo mistério de Cristo, se espalharão por toda parte,
pois ele faz bem todas as coisas.
Sabendo que somos frágeis para
enfrentar tamanha empreitada, pedimos confiantes com a Igreja (oração do dia do
vigésimo terceiro domingo do Tempo Comum): “Ó Deus, Pai de bondade, que nos
redimistes e adotastes como filhos e filhas, concedei aos que creem em Cristo a
verdadeira liberdade e a herança eterna”.
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém - PA
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