Por mais que estejamos habituados
a considerar números e pesquisas como dados inquestionáveis, sabemos que eles
podem ser interpretados de várias maneiras. A objetividade sempre vem
acompanhada de certa dose de subjetividade. É com esse quadro de fundo que
devemos interpretar as recentes manchetes sobre a grande e rápida perda de
fiéis por parte da Igreja Católica e o surpreendente crescimento das igrejas
evangélicas.
Partindo-se do inegável
crescimento numérico das denominações evangélicas, o fenômeno exige uma leitura
mais acurada, que aponta ao menos para dois elementos: suas crescentes divisões
internas e o menor entusiasmo de uma boa parte de seus seguidores. Também em se
tratando dessas igrejas, a objetividade exige que se tenham presentes
características próprias de cada segmento, região e até mesmo de cada pessoa.
Se é verdade que alguns pastores conseguem mobilizar e eletrizar multidões,
também é verdade que muitos deles se fixam em curas e outras eventuais
intervenções divinas. Portanto, nem todos estão movidos por uma fé amadurecida.
Observações semelhantes também
podem ser feitas a respeito da Igreja Católica. Constata-se que ela perdeu e
continua perdendo fiéis, como também é possível observar que as multidões que
lotam celebrações presididas por pessoas carismáticas muitas vezes são atraídas
pelos pregadores. Observa igualmente que, embora confessando o mesmo “credo”,
há diversidade de tonalidades nas mesmas palavras pronunciadas.
Os dados estatísticos não podem
ser negligenciados. No entanto, convém acrescentar outro tipo de leitura para
que, então, obtenha-se uma melhor compreensão do todo. Assim, o censo do IBGE
lançou luz sobre um ângulo, mas isso não impede que outras instituições
igualmente sérias e competentes focalizem novos dados e apresentem de modo
convincente outras interpretações. Foi exatamente isso o que fez o Centro de
Estatísticas e Investigações Sociais (Ceris). Sem ignorar ou menosprezar os
dados do IBGE, ele ressaltou aos menos dois fatos que põem em evidência não uma
Igreja decadente, mas uma “Igreja-vida”, apesar de todas as dificuldades com as
quais se depara diante de uma nova e desafiadora realidade. O que se evidencia
é que no ano 2000 o Brasil contava com 16.772 sacerdotes, cabendo a cada um
atender a 10.123 fiéis, e que em 2010 o número deles subiu para 22.119, cabendo
a cada um atender a 8.624 pessoas.
Outro fato que não aparece nas
estatísticas do IBGE é o crescimento significativo de paróquias e comunidades
católicas. Isso revela aumento da presença da Igreja Católica, que possibilita
melhor atendimento e maior aprofundamento da fé de seus membros. Ainda que ela
tenha diminuído o número absoluto de fiéis, há uma adesão mais consciente
deles. Eis alguns exemplos de crescimento notável de paróquias em algumas
regiões do Brasil: entre os anos 1994 a 2010, em Minas Gerais e no Espírito
Santo as paróquias passaram de 1.263 para 1.722; no Estado de São Paulo
passaram de 1.651 para 2.431. Só na Diocese de Santo Amaro, na Grande São
Paulo, foram criadas mais de cem paróquias. Ora, uma paróquia não se confunde
com um único templo; normalmente elas são constituídas de uma igreja matriz e
uma série de igrejas menores, também chamadas capelas. Isso sem falar dos
muitos “movimentos caseiros”, nos quais os núcleos de fiéis se reúnem em casas
ou locais menores.
Ao lado desses dados destacamos a
vitalidade que existe na Igreja Católica: são os muitos movimentos e
comunidades de vida. Eles não apenas apresentam números surpreendentes, como
também, em sua maioria, literalmente espalham a mensagem do Reino. A título de
exemplo citamos a Canção Nova. Nascida há menos de cinquenta anos, ela dispõe
de uma rede de comunicação com potencial fantástico. Entre os meios utilizados
destaca-se a TV Canção Nova, que atinge quase cinquenta nações. Ademais, não
podem ser esquecidos os “acampamentos”, sobretudo os de Cachoeira Paulista, que
chegam a reunir mais de cem mil pessoas, que passam vibrantes dias de reflexão
e oração. Também fazemos menção das jornadas mundiais da juventude, que reúnem
milhões de jovens. Para o próximo ano, no Rio de Janeiro, a estimativa é de que
se reunirão, com o Papa Bento XVI, de dois a três milhões de jovens provindos
do mundo inteiro.
Estas considerações sobre o que
os números não revelam não querem se apresentar como apologéticas. Todos
estamos conscientes de que as igrejas, incluindo a Igreja Católica, passam por
uma série de problemas e se defrontam com grandes desafios. E não há nada de
surpreendente quando olhamos para fora das janelas da Igreja e analisamos o que
se passa com inúmeras outras instituições que sofrem os impactos de grandes
mudanças. Basta pensar no que ocorre com a União Europeia, com a ONU ou
simplesmente com nossas instituições brasileiras, nos níveis do judiciário, do
legislativo e do executivo.
Num mundo em que todas as
realidades são sacudidas por grandes e profundas mudanças, não há quem possa se
acomodar. O que importa ressaltar é que ao lado de tantas manifestações de
desagregação também existem muitas e significativas manifestações de força que
levam adiante as esperanças humanas, como também a crescente busca do
transcendente. Diante de tudo isso é preciso concluir que as manchetes revelam
realidades preocupantes, mas nem sempre toda a verdade, e por vezes até
escondem o que está no cerne da questão, ou seja: se há instituições que estão
mostrando sinais de fraqueza, outras demonstram nova vitalidade, sendo que
energias negativas são contrapostas e superadas por energias positivas. Afinal,
esta é a condição da vida humana e, portanto, também das instituições, por mais
importantes que sejam.
Por Frei Antônio Moser
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