domingo, 23 de setembro de 2012


O essencial é...

- “(...) E [o principezinho] voltou, então, à raposa:
- Adeus, disse ele...
- Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.
- O essencial é invisível para os olhos, repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.”
(SAINT-EXUPÉRY, Antoine. O Pequeno Príncipe. Tradução de D. Marcos Barbosa, 18. ed., 1975. p. 74)

Um dos grandes clássicos da literatura infantil mundial, O pequeno príncipe, escrito pelo aviador e combaten-te francês Antoine de Saint-Exupéry em fins da II Guerra Mundial, narra a história de um menino singular, portador de uma mensagem reveladora e envolvente. Morador de um minúsculo planeta chamado B-612, o jovem príncipe decide deixar sua casa em busca de amigos, de pessoas que pudessem suplantar sua solidão e a indiferença com que era tratado pela rosa vermelha, sua única companhia, cuja semente fora trazida pelo vento e germinara no seu astro. O livro percorre o itinerário dessa criança pelos planetas do firmamento, em busca do verdadeiro afeto e daquilo que ele considerava o essencial em sua vida – o amor, que viria a com-plementá-lo em plenitude e o permitiria viver a maravilhosa essência da comunhão. O significado do amor, travestido na experiência concreta da amizade, só seria descoberto pelo principezinho quando do encontro com a raposa no deserto, já aqui na Terra, a qual lhe revelaria seu segredo mais valioso: “só se vê bem com o coração”.
O livro é, em boa medida, não só fonte de riquezas para as crianças, mas para todos os que se dis-puserem a desvendá-lo com um olhar mais atento. Os ensinamentos que ele revela são úteis, por exemplo, para o aconselhamento de tantos jovens que, hoje, apresentam inúmeras feridas na sua afetividade e mos-tram-se incapazes de assimilar a essência da caridade, fruto do encontro pessoal com Deus e com os irmãos. A raposa do livro nos fala de algo que nos é essencial, de uma descoberta que só pode ser feita pela voz do coração. Os nossos olhos não nos são necessários para enxergar essa verdade tão plena e rica de suges-tões; apenas com a nossa entrega pessoal é possível desvendar esse algo que é tão caro a nós e que nos preenche por completo. O que é, afinal, essencial para nós, jovens de hoje?
A virtude do amor é, hoje, afastada de seu significado primordial, que nos foi revelado por Cristo na Cruz – o próprio exemplo de Seu esvaziamento, preenchendo-nos com a plenitude da caridade divina. Os jovens, ao contrário, aprendem, a cada dia, a mascarar o verdadeiro valor do amor por sinônimos que lhe retiram sua verdadeira razão de ser. A afetividade vivenciada pela juventude é profundamente marcada pelo materialismo, pela busca cega dos prazeres que apenas amenizam o profundo vazio deixado no coração pelos modismos. Os adolescentes afastam-se de sua vocação primeira – a vivência plena da afetividade e da sexualidade – em troca do gozo fácil e rápido proporcionado pela prática dos relacionamentos feridos, da masturbação, do sexo prematuro e das “ficadas”. O amor é desprezado; em seu lugar, entram as relações marcadas pelo descartável, pelo transitório, nas quais os jovens assimilam que a vivência afetiva é empecilho da felicidade tão almejada, a ser atingida pelo status e pela falsa liberdade.
A vivência espiritual é igualmente desprezada pelos jovens. Acostumando-se com os paliativos, os jovens esquecem o fundamental preceito do amor, enviado a nós por Deus, que é amor (cf. 1 Jo 4, 16). Je-sus, que veio ao mundo para testemunhar o Pai de Amor, vivencia na própria carne a excelência da caridade, repassando à Igreja o fruto maior de Sua doação: a Eucaristia. Mergulhando no Corpo e Sangue de Jesus, aprendemos a ser amados e amantes, libertando-nos do pecado e aprofundando-nos no oceano infinito da misericórdia de Deus. Maria Santíssima, os apóstolos e os santos aprenderam a confiar amorosamente na ação salvífica da Trindade em suas vidas, pela vivência concreta do amor a Deus e ao próximo. O Papa Ben-to XVI, em sua encíclica Deus é amor, ensina-nos que a unificação do homem com Deus “não é confundir-se, um afundar no oceano anônimo do Divino; é unidade que cria amor, na qual ambos – Deus e o homem – permanecem eles mesmos mas tornando-se plenamente uma coisa só”. O jovem, desejando auto-afirmar-se, afasta-se de Deus em sinal de revolta e indignação; este afastamento acaba por descaracterizá-lo, retirar-lhe a personalidade. Somente em Deus é que o jovem descobre a verdadeira identidade e, conseqüentemente, a própria razão de sua existência, o que lhe suscita o amor. Nesse sentido, Santa Teresa de Lisieux afirma: “Com amor, não caminho apenas, ponho-me a voar...”.
A lição da raposa é um eco daquilo que o próprio Deus vem revelando ao homem na história da sal-vação. E que vem repetindo, hoje, no coração dos jovens desorientados e servos da alienação: “O que o homem vê não é o que importa: o homem vê a face, mas o Senhor olha o coração” (1Sm 16,7b). O Pai Eter-no, que criou o universo inteiro com perfeição e ternura, escolheu o minúsculo coração do homem para fazer a sua morada predileta, regozijando-se em estar naqueles que ama. Deus sabe que a juventude busca de-sesperadamente o sentido da própria história e que faz dessa procura um meio de abrir-se ao novo que lhe chega, como o principezinho da história. Desejam os jovens experimentar o amor e dele extrair a suma felici-dade, da mesma forma que o nosso nobre menino. E Cristo permite-lhes esta experiência, através da bela lição de Sua morte e ressurreição, fazendo-os descobrir que o amor é a chave para desvendar o mistério da vida e para encontrar, de maneira íntima e inesquecível, o seu Autor.
Perdendo-se nas suas inúmeras inquietações e desejos, que acabam por lhe desorientar, os jovens esquecem-se do essencial em suas vidas (e na vida de todos os homens, por fim): o amor de Deus, que se doa aberta e livremente para nós. Guardar esta verdade fundamental é a chave para a cura dos males que atingem a juventude, e o meio de ensiná-la a ter, enfim, a estatura de Cristo. O amor da Trindade, que é ver-dadeiro, acaba por trazer a verdadeira sexualidade, a verdadeira liberdade e a verdadeira paz. O Catecismo da Igreja Católica, ao caracterizar o Ser divino, define-O com clareza: “(...) o próprio ser de Deus é Amor. Ao enviar, na plenitude dos tempos, seu Filho único e o Espírito de Amor, Deus revela seu segredo mais íntimo: Ele mesmo é eternamente intercâmbio de amor: Pai, Filho e Espírito Santo, e destinou-nos a participar deste intercâmbio” (CIC, 221). Esse é o segredo do amor, revelado a nós não pela superficialidade dos “olhos”, mas com a profundidade e a delicadeza do “coração”.
Cabe, pois, aos jovens o convite à perseverança no amor feito por Cristo: “Como o Pai me ama, as-sim também eu vos amo. Perseverai no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, sereis constantes no meu amor, como também eu guardei os mandamentos de meu pai e persisto no seu amor” (Jo 15, 9-10). O amor, o autêntico e verdadeiro amor, trazido a nós por um Deus que é, Ele mesmo, o Amor em pessoa, ensina-nos a viver a alegria da confiança e da libertação da própria pequenez, levando-nos a abraçar o Eter-no. O jovem, que anseia, antes de tudo, viver a plena liberdade, não pode esquecer-se do “essencial” – o Deus de Amor –, que é o sentido da sua existência e a chave para vivê-la integralmente.

Baseado no livro O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry

Por Bruno Gomes Furtado Alves

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