Essa interrogação é central na
importante narrativa do Livro do Gênesis, capítulo cinco. Deus perguntava a
Caim sobre seu irmão Abel. Caim tinha matado Abel e, ao ser interrogado,
cinicamente, respondeu não saber. Essa página remete o povo de Israel a um
capítulo fundamental de qualquer antropologia consistente. A narrativa tem
escopo educativo que alimenta o sentido da transcendência de toda pessoa
humana.
Nos tempos de hoje, essa
interrogação de Deus precisa ecoar nas consciências para que sejam banidas a
arbitrariedade e a violência, refletidas nas discriminações e no massacre de
inocentes. Entre esses absurdos, representa um grave perigo a onda abortista,
que não pode ganhar espaço e consideração lícita para que a sociedade contemporânea,
por egoísmo e falta de moralidade, trate a vida como produto descartável. Com o
objetivo de evitar esse caminho, é preciso redobrada atenção no acompanhamento
da movimentação governamental e político-partidária para fazer contraponto às
propostas de legalização do aborto, com a determinação de derrubá-las.
Outra situação preocupante, onde
cabe a pergunta central para recuperação e configuração de uma antropologia sem
selvagerias – “Onde está teu irmão?”, refere-se à população de rua. É preciso
sensibilidade cidadã para abominar e impedir as barbáries contra homens e
mulheres que vivem nas ruas das cidades, especialmente nas regiões
metropolitanas. Nesse sentido, é importante conhecer a realidade desses irmãos
e irmãs mais pobres, apoiar projetos sociais sérios de investimento na
integridade dessas pessoas e na constituição dos quadros próprios para a
vivência de sua cidadania. Trata-se do desenvolvimento de processos que têm
lógicas e dinâmicas próprias, em contraposição a qualquer tipo de entendimento
que se enquadre na lógica da “limpeza urbana”, do simples esconder para não
comprometer a aparência de cidades e bairros.
Como advertência e necessidade de
incluir na agenda social de todos, olhando a realidade de nossa inserção e
calculando a gravidade de situações, é importante não esquecer os relatos que
merecem reflexão e o posicionamento sério de cada um. São casos de homicídio ou
tentativas de assassinato, como a que aconteceu em 15 de abril de 2011, com
oito moradores de rua no bairro Santa Amélia, vítimas de envenenamento. Pela
manhã daquele dia, oito moradores encontraram uma garrafa de pinga na praça
onde dormiam e, após beberem, começaram a passar mal. Graças a Deus, não houve
vítimas fatais. Alguns meses depois, em outubro, três homens tiveram seus
direitos desrespeitados, ao serem levados para um suposto abrigo com a promessa
de tratamento contra dependência química. No entanto, foram colocados em
cárcere privado para trabalho escravo. Em julho do ano passado, um morador de
rua morreu após ter o corpo queimado no bairro Ipiranga, em Belo Horizonte. Um
mês depois, em agosto, quatro pessoas não identificadas, em uma caminhonete
preta com vidros escuros, dispararam tiros em direção a um grupo de moradores
de rua. Entidades que trabalham com direitos humanos e com pessoas em situação
de rua são fontes fidedignas desses e de muitos outros relatos.Essa realidade
precisa ser tratada com a consciência iluminada pelo princípio moral que reza o
quinto mandamento da Lei de Deus: “Não matarás.” A vida humana é sagrada. A
ninguém é lícito destruir um ser humano. O Catecismo da Igreja Católica ensina
que esse quinto mandamento proíbe, indicando como gravemente contrários à lei
moral, o homicídio direto e voluntário, o aborto direto, bem como a cooperação
com ele; a eutanásia direta, que consiste em por fim à vida, por ato ou omissão
de ação devida para com pessoas deficientes, doentes ou próximas da morte, e o
suicídio.
A moralidade advinda da
sacralidade da vida faz com que cada um reconheça o dever de zelar pela
existência de todos. Nas grandes cidades é expressivo o número de pessoas que
vivem nas ruas. Homens e mulheres que requerem cuidado especial, projetos de
inclusão, participação e reinserção. Inaceitáveis são a violência e os
assassinatos no tratamento dessa grave problemática social. Pelos que vivem nas
ruas, por todos, ecoe nas consciências o dever de responder: onde está teu
irmão?
Por Dom Walmor Oliveira de
Azevedo - Arcebispo de Belo Horizonte
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