Um ano todo de fé!
Na próxima semana, precisamente
no dia onze de outubro, o Papa Bento XVI fará a abertura do “Ano da Fé”, em
Roma, para comemorar com toda a Igreja os cinquenta anos da abertura do XXI
Concílio Ecumênico Vaticano II e, os vinte anos da publicação do Catecismo da
Igreja Católica. Dois acontecimentos importantes na metade do século XX, que
continuam a repercutir no início do Novo Milênio e, cujos frutos ainda não foram
plenamente ceifados.
Há aqueles a quem a convocação de
um Ano da Fé pelo Papa Bento XVI cause estranheza. Qual a razão de ser desta
iniciativa? Que sentido tem celebrar a fé, numa comemoração tão sugestiva como
a celebração da abertura do Concílio Vaticano II e da publicação do Catecismo
da Igreja Católica?
As razões que levaram o Papa a
tomar esta iniciativa nós a encontramos na Carta Apostólica Porta Fidei, que o
Bento XVI publicou há precisamente um ano, ou seja, aos onze de outubro de dois
mil e onze.
Já no início, o Papa diz que hoje
há a “necessidade de redescobrir o caminho da fé para fazer brilhar, com
evidência sempre maior, a alegria e o renovado entusiasmo do encontro com
Cristo” (n.2). Mais adiante ele afirma que “o Ano da Fé é convite para uma
autêntica e renovada conversão ao Senhor, único Salvador do mundo” (n.6).
Falando da necessidade de
confessar a fé no Senhor Ressuscitado, Bento XVI diz que é necessário “que cada
um sinta fortemente a exigência de conhecer melhor e de transmitir às gerações
futuras a fé de sempre” (n.8). Ele espera que “este Ano suscite, em cada
crente, o anseio de confessar a fé plenamente e com renovada convicção, com
confiança e esperança” (n.9).
Assim, “descobrir novamente os
conteúdos da fé professada, celebrada, vivida e rezada, e refletir sobre o
próprio ato com que se crê, é um compromisso que cada crente deve assumir,
sobretudo neste Ano” (n.9).
Ao final, ele afirma que a fé
“solícita em identificar os sinais dos tempos no hoje da história, a fé obriga
cada um de nós a tornar-se sinal vivo da presença do Ressuscitado no mundo.”
Pois, “aquilo de que o mundo tem hoje particular necessidade é o testemunho
credível de quantos, iluminados na mente e no coração pela Palavra do Senhor,
são capazes de abrir o coração e a mente de muitos outros ao desejo de Deus e
da vida verdadeira, aquela que não tem fim” (n.15).
As palavras do Papa Bento XVI na
Carta Porta Fidei, levam a Igreja a manter-se coerente com os caminhos
apontados pelo Concílio Vaticano II e compendiados no Catecismo da Igreja
Católica, ou seja, a convencer-se sempre mais que só iluminada e sustentada
pela fé no Senhor Ressuscitado é que ela, a Igreja, pode manter-se fiel ao
Evangelho.
Lendo a Carta Porta Fidei, somos
levados a considerar a afirmação do Apóstolo São Paulo na sua Carta aos
Romanos: “Mas como poderiam invocar aquele em quem não creram? E como poderiam
crer naquele que não ouviram? E como poderiam ouvir sem pregador? E como podem
pregar se não forem enviados? Conforme está escrito: Quão maravilhosos os pés
dos que anunciam boas notícias” (Rm 10,14-15).
Lançar-se hoje na tarefa
evangelizadora sem avaliar a própria fé seria, de certo, temeridade. A ação
evangelizadora, pastoral e missionária da Igreja só alcança o seu objetivo se
for alimentada por uma vida de fé profunda, por uma fé que informa a vida.
O Papa está justamente chamando a
Igreja, em primeiro lugar, a um exame de consciência e a uma retomada de
posição diante do mundo, sustentada pela fé. O próprio São Paulo escrevendo aos
coríntios dizia: “tendo o mesmo espírito de fé a respeito do qual está escrito:
Acreditei, por isso falei, cremos também nós, e por isto falamos” (2Cor 4,13).
É a fé que gera a pregação! Se nos falta a fé, nos falta o entusiasmo e
facilmente deixamo-nos envolver pelas malhas do cansaço e do desânimo.
Torna-se urgente para a Igreja
hoje, no dizer do Papa Bento XVI, redescobrir a fé; pois é a fé que gera e
capacita as testemunhas de que o mundo hoje tem imensa necessidade!
O Papa diz que não podemos dar a
fé como pressuposto (n.2), como algo que já existe e deve ser apenas
incrementado. Não! Hoje, o mundo vive uma crise de fé, que leva as pessoas não
só a negar a fé, mas também despreza-la. É necessário redescobri-la e, isso é
tarefa de cada um! É tarefa que implica decisão, escolha, e testemunho. Uma
decisão e escolha que ninguém poderá tomar em nosso lugar e, testemunho que
cabe a cada um assumir e realizar.
A fé, ainda, implica
conhecimento, ou seja, é um caminho que deve levar-nos a aprofundar sempre mais
as verdades reveladas, contidas na Palavra de Deus, na Tradição da Igreja e
explicitadas pelo Magistério. Ilude-se quem acredita que a fé resume-se a um
sentimento pessoal de confiança e proteção. A fé vai além, ela exige
conhecimento, aprofundamento, compreensão sempre maior e consequentemente
testemunho de vida sempre mais coerente! (n.10)
Bento XVI diz que a fé não pode
ficar reduzida à esfera do privado, ao âmbito das decisões pessoais, mas deve,
ao contrário, manifestar-se publicamente, nas decisões que interfiram nos
relacionamentos pessoais e comunitários e nas decisões políticas, onde a vida e
o bem comum estão em jogo.
Acolher o convite do Papa Bento
XVI, a “procurar a fé” (cf. 2Tm 2,22), nas comemorações dos cinquenta anos da
abertura do Concílio Vaticano II e nos vinte anos da publicação do Catecismo da
Igreja Católica, creio que é uma atitude profundamente coerente com o momento
que vivemos e, ao mesmo tempo, com a herança que recebemos seja do Concílio
como do Magistério recente da Igreja.
Se num primeiro momento pode
causar estranheza, podemos dizer que ao final, abrir-se e aprofundar-se na fé
torna-se uma experiência de profunda alegria e renovação, capaz de nos levar a
ser mais autenticamente testemunhas de Jesus Cristo ressuscitado no mundo e no
tempo que vivemos!
Por Dom Milton Kenan Júnior –
Bispo Auxiliar de São Paulo/SP
Nenhum comentário:
Postar um comentário