“Ela mostrou muito amor” (Lc 7,47)
Três personagens:
uma mulher anônima, o fariseu Simão, Jesus. O ambiente: uma refeição, momento
de alegria e partilha. Podemos também colocar como “ingredientes” importantes
neste texto: as lágrimas da mulher, seus cabelos, os beijos, o frasco de
perfume, e, até o julgamento do fariseu e a perplexidade dos convidados!
Este
evangelho – e também a primeira leitura (2 Sm 12,7-10.13) – falam claramente de
nossa vida: foram escritos por nós! Somos simultaneamente um pouco de Jesus que
ama e acolhe com misericórdia; somos pecadores\as como a mulher, mas, no
coração temos uma vontade imensa de encontrar Jesus em nossa vida, mendigando
sua misericórdia e um desejo imenso de poder esparramar o perfume do nosso pequenino
amor pelo mundo; e também, ao mesmo tempo somos capazes de julgar os outros\as sem
nenhuma piedade. Dentro de nós há uma mistura de santidade e de pecado, e, em
miniatura somos a Igreja santa e pecadora. O segredo que “costura tudo” é a atitude
da mulher que Jesus, profundo conhecedor dos corações, lhe reconhece: “mostrou muito amor”. Sim, o amor é a solução que faz compreender, PERDOAR,
converter, acolher, não julgar. Mas atenção: MUITO AMOR E MUITA HUMILDADE
TAMBÉM. Aprender de Davi e da pecadora e se converter! Aí como Paulo nós poderemos
afirmar com alegria: “Eu não desprezo a
graça de Deus” (Gal 2,21).
Análise do texto de Lucas 7, 36-50; 8, 1-3
O texto do Evangelho deste domingo
tem semelhanças com aquele da unção de Betânia relatado por Mateus 26,6-13,
Marcos 14,3-9 e João 12,1-8. Claro que, mesmo tendo um esquema comum, os
relatos não são idênticos e têm um significado diferente conforme o
evangelista.
“Um fariseu convidou
Jesus para uma refeição em sua casa” (v.
36).
Lucas relata outros dois convites de
fariseus a Jesus (11,37; 14,1). Jesus que era acusado pelos fariseus de comer
com “publicanos e pecadores”, (5,30)
aceita sentar a mesa deles, mesmo numa situação conflitual. Jesus “á mesa” (v. 36), conforme o costume
romano introduzido na Palestina estava deitado no sofá com os pés de fora. Eis
porque a mulher pôde “banhar-lhe os pés”
(v. 38).
“Certa mulher
conhecida na cidade como pecadora”
(v. 37)
O fariseu com certeza já a tinha
catalogada, mas, Jesus não se deixa impressionar pelos preconceitos. Cena muda
por parte da mulher, a não ser “a palavra” das lágrimas de arrependimento, de alegria
por ser acolhida; cena muda por parte de Cristo. Os gestos afetuosos da mulher
em Lucas chegam a ser até escandalosos na cabeça do fariseu Simão, mas, Jesus a
deixa fazer, pois, quer ensinar como ele acolhe e salva os pecadores.
“Se
este homem fosse um profeta” (v. 39)
Outra cena muda, mas cheia de
palavras “guardadas” e de julgamentos por parte do fariseu que fica indignado.
Jesus vai se manifestar sim como profeta, e corrige em voz alta o pensamento
oculto do fariseu e o faz contando uma parábola e fazendo uma afirmação aparentemente
estranha.
“Por esta razão, eu te
declaro: os muitos pecados que ela cometeu estão perdoados porque ela mostrou
muito amor”.(v.47).
A parábola de Jesus pode ser interpretada assim: ela ama muito porque Jesus lhe
perdoou muito. Mas a aplicação de Jesus vai numa outra direção “foi-lhe
perdoado muito porque amou muito”, ou seja, ela respondeu ao amor de Jesus que
a acolheu como era sem desprezo. Agora
ela estava bem mais próxima a Jesus do que ofariseu.
“E Jesus disse à
mulher: 'Teus pecados estão perdoados.” (v. 48)
Palavras que escandalizaram os
convidados, mas o credor da parábola é Deus na pessoa de Jesus!
“Mas Jesus disse à
mulher: 'Tua fé te salvou. Vai em paz!” (v. 50)
A palavra FÉ na verdade é a chave de todo o relato: é a fé que guiou a mulher
a Jesus, a fé a fez superar o fechamento do fariseu e convidados, a fé lhe
sugeriu os gestos espontâneos e carinhosos. A sua é uma FÉ AMANTE!
Depois disso Lucas fala das outras mulheres que seguiam Jesus (mesmo verbo
“seguir” empregado para o discipulado dos
apóstolos!)
“Ler a vida com a Palavra de Deus”(Papa
Francisco)
A primeira leitura (2 Sm 12,7-10.13) apresenta o profeta Natã que
aponta a Davi seus pecados. De fato, o pecado de adultério ocasionou nele uma
“corrente” de ulteriores pecados. O “santo “rei Davi torna-se um exemplo por
todo o sempre de grande pecador
arrependido e diz ao profeta: “Pequei contra o Senhor” (v. 13) e escreverá, ainda, o salmo 50!
Davi mora no mundo, hoje, na Igreja, e em cada um\a de nós! Convenhamos mesmo
que a Igreja é... mais pecadora do que santa! O evangelho de Lucas quer mostrar
aos pagãos convertidos ao cristianismo que Jesus é o libertador e doador da misericórdia
e do perdão aos pecadores, com um olhar especial para os pobres e excluídos. Aprofundamos
os personagens do Evangelho.
a)Simão o fariseu
Simão como fariseu, achava ser o
melhor, o puro, o sem pecado. Isto é fácil provar pelo julgamento em seu
coração: “dizia consigo mesmo: Se este
homem fosse profeta, bem saberia quem e qual é a mulher que o toca, pois é
pecadora” (v.39)e pela resposta impecável, mas, fria a Jesus: “Simão respondeu: a meu ver, aquele a quem
ele mais perdoou” (v. 43).Uma moral, a sua, quantitativa, exterior,
legalista..Ele era na verdade o pecador, o “prostituto pecador” perante
Deus! Simão, o fariseu, chama-se, hoje com o nome de cada um \a de nós e mora
na esquina, em casa de família, numa escola, num convento, numa casa paroquial,
numa casa de formação... mora dentro e nós. É o nosso perfeccionismo, aquele nosso
orgulho mais ou menos disfarçado de sermos melhores do que aquele ou aquela, de
“merecer” a bênção de Deus, de querer cultivar o nosso eu, ou pensar: “por
sorte que eu não sou como fulano\a...”. O texto é um convite para baixar a
crista, deixar de ter o nariz empinado, e assumir a única atitude que compete a
um cristão que é a humildade e pensar: o que eu seria sem a graça de Deus?
b)A mulher.
Esta mulher sem nome está mil léguas
na frente do fariseu. Ela entrou na casa porque as portas nos banquetes, como
de costume na época, estavam abertas, - pasmem o orgulho!- para que os
passantes pudessem ver que iguarias que o anfitrião tinha preparado! Sem meio
termo o evangelho a chama de “pecadora”
(v. 37). Ora ela se achava mesmo pecadora no coração e, portanto, nem se
importava com esta “pecha”. E o que ela faz? Pega “um vaso de alabastro cheio de perfume” (v. 37), chora, sentada aos
pés de Jesus, ao ponto das lágrimas banharem os pés do Mestre e de enxugá-los
com seus cabelos, beijá-los e ungi-los com perfume. (v. 38). Ela não fala com a
boca, fala com os gestos e toma atitudes de quem nada mais tem a perder e tudo
a ganhar do Mestre. Ama o Mestre e lhe faz gestos de carinhos porque também
sente que é amada e acarinhada. Aliás, talvez fosse a primeira vez que doava e
recebia carinhos de um homem verdadeiro!
Um convite a identificar-nos, todos nós, homens e mulheres, com esta
pecadora sem nome e usar o “perfume” que sobrou (sobrou um pouco mesmo?) no
vaso de alabastro do nosso coração e “chorar”. Chorar: o nosso egoísmo; o tempo
perdido em futilidades, oportunidades jogadas ao vento, uma fé morna sem
brilho, para não dizer já fria e sem vida, a incapacidade de olhar ao redor com
positividade com olhos de Deus, o uso nem sempre “católico” de nosso corpo:
olhos, língua, mãos, pés, sexo... E por aí afora! Lembrete: Deus perdoa
porque é amor, e nós podemos amar porque fomos perdoados. Isto é consolador!
c)Jesus
Pra começar Jesus aceita o convite
do fariseu (v. 36). E isto, não é pouco! Em seguida usa um jeito pastoral
prático: uma parábola mais clara do que a luz do sol e tira dela consequências
evidentes, uma autentica lição de vida: “seus
numerosos pecados lhe foram perdoados, porque ela tem demonstrado muito amor.
Mas ao que pouco se perdoa, pouco ama”.
(v. 47). Em terceiro lugar diz à mulher: “Perdoados
te são os pecados” (v.48) e “Tua fé
te salvou; vai em paz”(v. 50). São passos de uma conduta de vida e de
pastoral que nós devemos meditar e
praticar: atitudes pastorais cheias de misericórdia, de acolhida, de ternura,
de beleza e de amor, a busca dos últimos e excluídos, sem fazer distinções de
pessoas, e até o uso de estratégias para dar a mensagem que deve ser também clara.
Mas, sobretudo: o testemunho de vida, pois, é ele que deve falar mais do que a
língua! Jesus, convenhamos, tinha moral para falar assim!
A Palavra nos ajuda a orar.
Ø
O
salmo responsorial penitencial da misericórdia (3l) com certeza é precioso,
também para nós hoje, para saborear o perdão infinito de Deus sobre nós E que
tal nesta semana se aproximar também do sacramento da reconciliação?
Ø
Na
segunda leitura deste domingo Paulo aos Gálatas 2, 16.19-21 escreve uma das
frases mais lindas da Bíblia: “Eu vivo,
mas não eu, é Cristo que vive em mim. Esta minha vida presente, na carne, eu a
vivo na fé, crendo no Filho de Deus, que me amou e por mim se entregou” (v.20).
Experiência forte do intrépido missionário! Pois bem: cada um\a de nós, pelo
batismo, pode dizer isto plenamente. Agora, pare um pouco e em clima de oração
sinta esta presença e depois contemple aquele: “por mim”. Sim: por mim
Ele se entregou me amou, até dar sua vida; um amor pessoal de Jesus sobre mim,
pecador\a deste mundo pós-moderno. “líquido” e quem sabe mais o que...
Ø
O
Evangelho de hoje termina em 8,1-3 mostrando os que seguiam Jesus: os doze
(v.8, 2) e algumas mulheres, entre elas Maria de Madalena, Joana, Susana... (Este
detalhe que se encontra só no Evangelho de Lucas). Estas mulheres perdoadas por
Jesus o seguiam assistindo-o com o se bens: uma diakonia de amor. Como você e
eu já fomos perdoados a beça e, quem sabe, até mais do que “sete demônios” (8,2), como seria bom que nossa vida fosse um
seguimento de Cristo com todos os nossos bens e talentos e, mais ainda, com todo
nosso ser! A vida tornar-se-á um dom e
uma oração!
Padre Mário Guinzoni OSJ
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