Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi e vos designei para irdes e produzirdes fruto e para que o vosso fruto permaneça, a fim de que tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome ele vos dê (João 15,16).
Esta afirmação, de grande beleza
e conforto, é feita por Jesus segundo o Evangelho de João, capítulo 15
versículo 16. Não é apenas “uma” afirmação, mas várias afirmações que compõem a
Revelação da Vocação do discípulo ao seguindo do Mestre. Trata-se da identidade
que o discípulo tem perante o Mestre e sua Comunidade, a Igreja. Além de belo,
o texto é significativo. Ele leva a alguns pontos que estão além dele mesmo.
Desejo refletir sobre estas questões em algumas linhas tomando a liberdade de
fazê-lo com lembranças e experiências pessoais.
1. A motivação da escolha. Olhando para minha história, observo que
tantas vezes fiquei surpreso e, às vezes, até confuso com o que já vi e vivi no
caminho vocacional. Tive companheiros que eram mais inteligentes, capazes,
ágeis e comunicativos. Curiosamente eles foram deixando o caminho. Alguns
diziam que queriam fazer uma “experiência fora”! O interessante é que nenhum de
nós tínhamos nascido dentro do seminário, do noviciado ou do filosofado ou
teologado… Nascemos “fora” disto tudo e entramos justamente para fazer a
“experiência dentro”. Mas alguns achavam que deviam experimentar o que já
haviam, ao menos em parte, vivenciado.
Bem, devo compreender esta
situação como uma procura por respostas vocacionais. Mais do que nunca eu estou
convicto que a vocação é um Mistério. E esta afirmação não é um chavão pois eu
os abomino: eles geralmente nada dizem, ou dizem o que se deseja que digam…
O Mistério é o chamado, a
escolha. Pergunto-me quase todas as semanas: “Por que eu?” Mais de trinta anos
depois da primeira profissão religiosa e 26 depois do presbiterato, ainda não
tenho uma resposta lógica que me satisfaça. O Mistério é que o Senhor chama
quem deseja, observando no chamado alguma característica que olhos humanos
provavelmente não conseguem ver. Acho que é isso!
E o que o Senhor vê não é a
inteligência ou a beleza, mas a “possibilidade”. Significa que Ele chama os que
estão disponíveis para que a Graça atue. Os que já estão muito prontos, seja
pela inteligência, seja pelas capacidades diversas, humanas ou até espirituais,
estes não poderão ser moldados, preparados pela ação da Graça.
A escolha, então, é do Senhor.
Os critérios, os gostos, o chamado… Tudo é dele. E devemos respeitar. Claro:
devemos também discernir, pois poderá ser não um chamado, mas uma ilusão. Podemos
ouvir o que não foi dito ou sentir um toque que não existiu… É assim que
podemos também confundir nossos sentidos ou carências com vocação. Para isso a
direção espiritual e a sinceridade consigo, com os outros e com o Senhor é
sempre necessária.
Mas, recordemos: Não os melhores
ou mais inteligentes ou mais bonitos, seguramente. E sim os possíveis!
Da esquerda p/direita, Pe, João Cerutti, Pe. Neto e Pe. Mauro negro na ocasião dos votos Perpétuos do Ir. Renaildo. |
Mas há surpresas, é certo. Aos
poucos a convivência com o Senhor, a oração, o escutar as necessidades dos que
estão por perto e dos que estão longe. Tudo isto e muito mais faz com que o
vocacionado deixe sua “zona de segurança” ou “de conforto” e entenda que é
necessário ir além. “Além” é mais empolgante, é mais encantador!
É preciso desinstalar-se, deixar
este ambiente de segurança e conforto. E então superar-se. A disposição interior
é o indispensável, a Graça fará o resto!
3. Frutos que permaneçam. Eis aqui uma difícil constatação. Desejar
observar frutos de nosso trabalho é uma espécie de quase utopia. Todos sabemos
que “utopia” é, por etimologia, um “lugar que não existe”. Com isto não sugiro
que os frutos não existam, mas que as possibilidades de verifica-los é
reduzida. As coisas demoram para assentar-se, definir-se e frutificar. Os
frutos imediatos são frágeis, podem perder-se na precocidade.
E o que significa “frutos que
permaneçam”? Será perenidade, solidez, fecundidade? Quem estuda a Sagrada
Escritura tem o hábito de perguntar pelo significado de cada palavra para
compreender o sentido das coisas, dos textos e suas mensagens. Então, a
“permanência” dos frutos diz respeito a quê?
Trata-se de uma medida difícil
de obter, sendo que muitas vezes foge da observação direta. Os frutos podem ser
interiores, afetivos. Podem ser dispostos em outra ordem de compreensão. Sua extensão
é também, com segurança, incompreensível. Mas tudo isso existe e pode ser, a
longo prazo, experimentado.
Não obstante, não devemos
esperar frutos imediatos. Não devemos trabalhar para vê-los. Eles aparecerão no
devido tempo, é certo. Confesso que isto talvez seja a parte mais difícil da
caminhada vocacional, pois é aqui que se vê a perseverança, a tenacidade, a Fé.
E é sobre ela que desejo refletir neste último ponto.
Pe. Mauro Negro, OSJ |
4. A Fé como critério vocacional. A Vocação é uma questão de Fé.
Por isso, antes de pensar sobre Vocação é preciso pensar sobre a Fé. Erramos
quando falamos de Vocação sem antes dar a conhecer o Senhor. Recordemos também
que é preciso primeiro crer para depois compreender, o que nos leva a confirmar
o primado da Fé no mistério da Vocação. Aliás, hoje entendo e afirmo que Fé e
Vocação são a mesma coisa, apenas com aspectos diferentes, múltiplos.
Não é possível fazer uma opção
vocacional sem Fé. Desejar um caminho vocacional de especial consagração para,
digamos, servir uma classe de pessoas, é arriscado. Quem faz assim pode decepcionar-se
muito, pois as pessoas nem sempre estão predispostas à gratidão. Elas também
podem responder de modo diferente do que se espera. E o trabalho constante
pelos outros sem uma motivação que nasce além do que é visível pode ser
frustrante.
Pensemos em um casal que contrai
matrimônio apenas pela atração, pela beleza ou companheirismo. Isto tudo deve
existir, mas não é a “argamassa” que une as partes. Sem a Graça que vem da
convivência com o Senhor não pode haver verdadeira vocação.
Por isso o primeiro e principal
trabalho do agente das Vocações, do Formador, do Diretor Espiritual que orienta
vocacionados (e isto poderia dizer respeito também ao Pároco e agente de
Pastoral Familiar que orienta jovens casais que olham para o matrimônio!) é
educar a Fé, a adesão ao Mistério de Deus na vida de cada vocacionado.
Embora a impressão primeira que
todo vocacionado tem é de que deve “fazer” algo, o primeiro momento de toda
Vocação é “estar com o Mestre”. Ele escolhe, Ele chama, Ele vocaciona. No dizer
de João: Não fostes vós que me
escolhestes, mas eu vos escolhi!
Nos sintamos honrados de ser
escolhidos e desejemos, cada vez mais, fazer a experiência do Senhor neste
caminho ao qual somos chamados.
Pe. Mauro Negro, OSJ
Juniorato Padre Pedro Magnone. Biblista PUC
SP
mauronegro.wordpress.com.br
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